Quando um governo decide regular o que pode ou não ser dito nas redes sociais, o risco de transformar uma boa intenção em uma ferramenta de censura é sempre real. No Brasil, o projeto que o presidente Lula pretende enviar ao Congresso para “proteger crianças e adolescentes” pode ter esse efeito. É um discurso sedutor: quem se oporia a proteger menores contra abusos digitais? Mas, ao observar os detalhes e o contexto político, percebe-se que a proposta guarda semelhanças perturbadoras com práticas de regimes autoritários — e, sim, o exemplo de Nicolás Maduro é inevitável.
Lula argumenta que a ausência de regulação tem permitido a proliferação de crimes e desinformação. Porém, não é coincidência que a medida surja em um momento em que a justiça já ampliou drasticamente os limites de atuação contra conteúdos considerados “nocivos”. E não é segredo que, no Brasil, o conceito de “discurso de ódio” vem sendo usado de forma elástica o suficiente para abarcar críticas legítimas ao governo e seus aliados. É justamente esse tipo de interpretação vaga que regimes como o venezuelano usam para enquadrar opositores.
O presidente norte-americano Donald Trump, em relatório recente do Departamento de Estado, denunciou a deterioração da liberdade de expressão no Brasil, mencionando perseguição a apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Washington alertou para medidas “desproporcionais” e “processos secretos sem as garantias do devido processo legal” — a mesma fórmula que em outros países latino-americanos abriu caminho para silenciar vozes dissidentes. Ignorar esse alerta é fechar os olhos para a história recente do continente.
Os paralelos com Caracas são evidentes. Na Venezuela, a justificativa inicial para restringir conteúdo online também foi a “proteção contra crimes” e a “defesa da democracia”. O resultado? A consolidação de um aparato estatal capaz de bloquear portais de notícia e prender jornalistas sob a acusação de “provocar violência” ou “espalhar notícias falsas”. Esse roteiro não é ficção; é o manual prático de como se sufoca o debate público sob a fachada de regulamentação.
A defesa de Lula e de seus ministros, como Rui Costa, é de que as big techs lucram às custas de crimes e que “não querem ser fiscalizadas”. O argumento pode ter mérito no que diz respeito a responsabilizar empresas por negligência em casos de abuso infantil. O problema é quando essa responsabilização se mistura com a prerrogativa de decidir quais opiniões são aceitáveis. Nessa zona cinzenta, governos autoritários prosperam. A fronteira entre proteger e controlar se desfaz com assustadora rapidez.
O que deveria estar em pauta é como criar mecanismos que combatam crimes reais, com provas e devido processo, sem abrir a porta para que políticos filtrem o debate segundo seus próprios interesses. A experiência dos Estados Unidos, onde a Primeira Emenda protege até discursos impopulares, mostra que a liberdade de expressão não é um luxo: é a base da democracia. Limitar o discurso para combater abusos é como queimar livros para impedir plágio — um remédio pior que a doença.
Se o Brasil seguir pelo caminho de Maduro, Ortega ou Díaz-Canel, a internet deixará de ser um espaço plural para se tornar uma extensão controlada do palanque oficial. O pior é que, uma vez instalado, esse controle dificilmente retrocede, mesmo com a troca de governos. A história prova que leis feitas para “proteger” rapidamente se transformam em armas contra quem ousa discordar.
Regular crimes, sim. Regular opinião, jamais. Essa é a linha que separa democracias vibrantes de estados autoritários. E é essa linha que o Brasil, neste momento, corre o risco de apagar.