Não é novidade que o jornalismo brasileiro, outrora uma ferramenta de denúncia e de vigilância do poder, tenha se rendido ao ativismo político disfarçado de jornalismo. Mas o episódio recente em que o jornal O Globo publicou, como se fosse notícia séria, uma piada escatológica sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro ultrapassou a fronteira do ridículo. Mais do que um erro de edição, foi um sintoma de uma imprensa que perdeu completamente o senso de responsabilidade e o respeito por seu papel institucional.
A manchete falsa (que inicialmente não foi identificada como coluna humorística) — “Intestino de Bolsonaro se adianta e já está preso” — além de grotesca, revela uma obsessão doentia da mídia tradicional com a destruição moral de um homem que, goste-se ou não, ainda representa milhões de brasileiros. Enquanto Bolsonaro se recuperava de mais uma cirurgia relacionada ao atentado que quase o matou em 2018, jornalistas e colunistas seguem o exemplo de Hélio Schwartsman, da Folha de S. Paulo, que chegou a sugerir, com impunidade e até com orgulho, que sua morte seria “desejável” para o bem comum. Imagine se algo semelhante fosse dito sobre Lula ou Alexandre de Moraes.
A mesma mídia que finge defender a democracia alimenta diariamente uma campanha para desumanizar o ex-presidente — e qualquer um que o apoie. A suposta tentativa de golpe em 2022 virou pretexto para instaurar inquéritos com pouca ou nenhuma transparência, conduzidos pelo Supremo Tribunal Federal. Quando Barroso afirma, sem cerimônia, que o STF “chamou para si” a missão de conter o “populismo autoritário”, ele praticamente admite que o tribunal se colocou acima das instituições que deveria equilibrar.
A crítica recorrente é que Bolsonaro explora politicamente seus dramas pessoais, igual à versão da imprensa sobre Donald Trump, que após levar um tiro no rosto, levanta-se com o punho em riste e continua sua campanha. Bolsonaro, que já sobreviveu a um atentado à faca e enfrenta sequelas físicas reais, não tem direito sequer à compaixão básica. Pelo contrário: enquanto ele luta para se manter em pé, veículos como O Antagonista o acusam de “exploração política” — como se saúde e sobrevivência fossem assuntos que deveriam ser tratados com frieza e cinismo.
Esse duplo padrão não é apenas desonesto; é perigoso. A politização da medicina, do jornalismo e da Justiça cria um cenário onde o adversário político é tratado como inimigo existencial, cuja dor é motivo de escárnio e cuja prisão é tratada como inevitável, ainda que as provas sejam frágeis ou inexistentes. Não se trata mais de informar, mas de vencer uma guerra ideológica — mesmo que para isso seja necessário abandonar os princípios básicos do jornalismo.
A democracia, tão celebrada por esses mesmos veículos, não se sustenta sem adversários respeitados. Quando a mídia se torna cúmplice de um linchamento simbólico — ou, pior, o instiga — ela mina as próprias bases da sociedade livre que finge defender. Fazer piada com doenças graves, publicar “memes” como manchete, ou desejar abertamente a morte de um líder político não são atos de coragem editorial. São expressões de uma decadência moral que afasta cada vez mais leitores e empurra o país para uma polarização sem volta.
Jair Bolsonaro pode ter cometido erros em sua gestão. Mas nada justifica o ódio sistemático que a grande mídia brasileira passou a cultivar contra ele — muito menos o desejo velado de vê-lo preso ou morto. O papel da imprensa não é torcer pela desgraça alheia, mas informar com equilíbrio, fiscalizar com responsabilidade e, sobretudo, respeitar a inteligência do público. Ao que parece, isso virou artigo raro no noticiário nacional.