É difícil não ficar atônito diante do que podemos chamar, com absoluta ironia, de “virtude judicial”, em sua mais nefasta forma: absolver culpados, derrubar condenações baseadas em provas sólidas e tudo isso em nome de um ideal de justiça que se contorce para adaptar-se aos interesses dos poderosos.
O Supremo Tribunal Federal parece decidido a transformar o Brasil em uma tragédia institucional, em que cada cena agrava a erosão da confiança pública nas instituições.
A recente decisão do Ministro Gilmar Mendes de anular todas as condenações de José Dirceu, um dos protagonistas de corrupção na história política recente, não representa apenas um marco de impunidade; é um símbolo de um colapso ético.
A justificativa? Uma extensão da suspeição do ex-Juiz Sergio Moro em casos que envolvem o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Sob esse pretexto, Dirceu, condenado por crimes comprovados e evidências robustas, é presenteado com um alvará de absolvição, enquanto o país observa, perplexo, a Corte Suprema mergulhar em uma espiral de revisionismo e permissividade.
Seria ingenuidade, no mínimo, acreditar nesse erro técnico ou reparo judicial; em vez disso, o que se assiste é uma escolha consciente de fragmentar o sistema judiciário, de privilegiar uma elite política que se revezou em práticas de corrupção sem precedentes.
A decisão de Gilmar Mendes não corrige um excesso, mas valida um novo, e a liberdade conferida a Dirceu é um sinal claro de que o Supremo Tribunal Federal não só tolera, como patrocina a narrativa da impunidade.
Não se trata de um episódio isolado, mas de uma sequência de desmandos judiciais que parecem testar a resistência da sociedade brasileira e, sobretudo desmoralizar seus tribunais.
Ao declarar que as provas da Operação Lava Jato estão contaminadas, o STF lança um recado claro de que as provas, os bilhões recuperados e até mesmo as confissões de envolvidos não passam de um teatro orquestrado por aqueles que ironicamente tentavam proteger o país dos criminosos.
É o cúmulo da inversão de valores, em que o algoz se torna vítima e o crime literalmente compensa.
A Procuradoria-Geral da República alertou, e com veemência, que decisões distintas não podem ser estendidas indiscriminadamente. Ignorar essa advertência não é apenas um erro jurídico, mas uma decisão política travestida de decisão técnica, em que a ética judicial é sacrificada no altar do corporativismo.
A tentativa de colocar todas as operações anticorrupção sob suspeição é, no mínimo, uma reedição do caos, uma receita certa para a descrença absoluta da sociedade no que deveria ser o seu último bastião de justiça.
O STF age nessa situação como editor da história nacional, reescrevendo-a ao seu bel-prazer, sem qualquer consideração pelos danos colaterais em longo prazo.
O problema é que, ao desconstituir a Lava Jato e invalidar as condenações, o STF se coloca em uma posição perigosa, em que o precedente criado abre portas para a impunidade generalizada, desmoronando a moralidade pública e minando a eficácia de qualquer futura tentativa de combate à corrupção.
A sociedade, já cansada de ver escândalos e mais escândalos, agora se vê refém de uma Justiça que privilegia o infrator e marginaliza o cidadão.
Não surpreende que o Ministro Toffoli tenha se aventurado a classificar a Lava Jato como uma armação, fruto de um projeto de poder. Seria cômico se não fosse trágico ver o próprio STF, que antes apoiava as operações, agora atuar como algoz de uma iniciativa que recuperou milhões desviados dos cofres públicos.
Com um revisionismo grotesco, ignora-se o fato de que as provas não surgiram de manipulações ou tortura psicológica, mas de investigações legítimas, muitas vezes com a colaboração de órgãos internacionais.
E qual é o desfecho desse teatro da impunidade? Um STF que age não como guardião da Constituição, mas como fiador das artimanhas de corruptos, criando uma jurisprudência que torna impossível acreditar na imparcialidade da corte.
Ao anular os acordos de leniência e liberar os criminosos confessos, o Supremo Tribunal Federal se torna cúmplice de uma espécie jogo velado, uma inversão perversa de valores, que coloca em xeque não apenas a Justiça, mas a própria moralidade nacional.
O silêncio cúmplice do STF sobre as decisões monocráticas que anulam condenações revela um colegiado que se recusa a debater publicamente as consequências de suas escolhas. E a indiferença é, talvez, o maior insulto que o tribunal oferece à sociedade, ao ignorar a opinião pública e agir como se estivesse acima do julgamento da própria história.
Diante desse cenário, resta uma pergunta que ressoa: quem protege o cidadão quando os guardiões da justiça agem como aliados dos corruptos? A resposta é tão amarga quanto previsível: ninguém!
Quando um tribunal máximo abdica do seu papel moral e jurídico, o pacto social se rompe, e o que resta é uma sociedade em que a lei não é mais sinônimo de justiça, mas uma arma na mão dos poderosos.
Estive em todas as CPIs, como Deputado e como Senador. Participei da CPI da Petrobras, dos Fundos de Pensão, do Carf, da Lei Rouanet, da Covid. Presenciei confissões, houve devoluções de milhões e milhões e, portanto, é inadmissível o que está acontecendo na Justiça brasileira que absolve culpados, em nome de virtudes distorcidas, planta as sementes da descrença pública e institucional, e decreta o supremo jogo da impunidade.