Fui à estreia do filme “Jorge da Capadócia”, de Alexandre Machafer. Dia 23 é dia de São Jorge, e evidentemente não há melhor data para o lançamento nos cinemas. Por nenhum momento cheguei a duvidar de que esta obra de arte do jovem, mas talentoso e inteligente diretor fosse fugir às minhas expectativas, desde que assisti ao trailer.
Confesso que saio entusiasmada de um filme nacional, depois de muitos anos, porque, não vou me desculpar por falar a verdade, o cinema nacional é um lixo, salvo exceções. Foi da pornochanchada ao besteirol sem passar por produções no mínimo palatáveis. “Jorge da Capadócia” parece desafiar o cinema nacional da Ancine e da Globoplay.
Exerci por muito tempo a crítica teatral, mas sempre fui cinéfila de frequentar cineclubes nos anos 80 e assisti a muitos filmes europeus, musicais da Metro, filmes noir, expressionismo alemão e clássicos de repertório de muitos diretores, passando pelo cinema japonês, chinês, indiano, iraniano, e também desenhos adultos, filmes comerciais e até algum cinema nacional de qualidade, aquelas exceções que citei, Joaquim Pedro de Andrade, alguma coisa do Jorge Furtado e uma ou outra produção.
Essas peripécias cineclubísticas, que me faziam ir sozinha à sessão da madrugada do cine Belas Artes e passar seis a oito horas ininterruptas de olho na tela, não me conferiram conhecimento necessariamente, mas reais experiências de fruição da arte – acho que não é possível explicar esse conceito agora, mas doravante prometo dedicar uma crônica para tal.
Antes que perguntem, não sou devota de São Jorge, embora católica, e nesta roupagem cinematográfica Jorge vem todo trabalhado em Cristo Nosso Senhor. É realmente uma resposta a muitas perguntas, e perguntas a muitas respostas que nos foram dadas sem a verdade necessária. São Jorge pode ter sido adotado por muitas religiões e seitas, pode ter sido paganizado pelas escolas de samba e times de futebol, mas o filme recupera o caráter católico apostólico romano em sua essência.
Vá assistir correndo! E se possível, várias vezes. Atores fantásticos, totalmente incorporados por suas personagens; roteiro bem escrito, direção segura e a fotografia é digna de prêmios internacionais. Podemos afirmar que se “Jorge da Capadócia” fosse uma produção em inglês teria boas chances nos lobbys de Holywood. Mas não me pareceu essa a pretensão, a falta de pretensão dos produtores.
As locações na Turquia, onde viveu São Jorge, contribui muito para a viagem que Machafer nos proporciona ao Inferno e ao Paraíso. Hoje temos muitos recursos tecnológicos no cinema, mas o bom gosto na produção não deixa a computação gráfica obscurecer a obra de arte que é “Jorge da Capadócia”.
Se há alguma crítica que se possa fazer ao filme é que o início é um pouco lento, acredito que em virtude da apresentação das personagens, e que talvez os diálogos pudessem ser menos teatrais, por mais que pessoalmente aprecie o estilo, mas são detalhes que não comprometem de forma alguma o resultado brilhante.
Ademais, “Jorge da Capadócia” é também uma resposta ao Brasil que vivemos. Todos os militares deveriam assistir a ele pelo menos para entender os diálogos entre comandantes e soldados, saber qual é o tipo de ordem que não se cumpre, resgatar valores como fidelidade, a solidariedade e o companheirismo – e não corporativismo – e a ética no campo de batalha. Jorge fala de tudo isso e muito mais.
Todos os que estão estudando cinema ou fazendo vídeos bobos nas plataformas digitais também deveriam assistir. Parece que o cinema nacional encontrou não um caminho, mas o caminho, o seu caminho, sua vocação. O Brasil é o Império de Cristo na Terra, e nós somos seus embaixadores desde antes da era dos descobrimentos, basta um pouco de estudo sério de História para constatar. Fugir dessa missão só nos levou ao estado de coisas que vivemos hoje: total desprestígio e desmoralização. Está mais que na hora de reverter essa situação, a começar pela mentalidade doente impregnada no setor cultural.
O cinema cristão já tinha aberto espaço com produções espíritas e evangélicas – “Nosso Lar” acabou de estrear e as interpretações de livros Bíblicos da TV Record já tinham mostrado que há público para o canal cinema – e agora é a vez e a voz o segmento católico que, sem falso proselitismo, apresenta produção bem superior. Importante destacar que não se trata de concorrência, mas de constatar que há mercado cinematográfico para além do blockbuster.
Em um Brasil que todos devem dizer sim ao poder, surge um Jorge que diz não. Impossível não comparar a devoção a São Jorge à resistência às ditaduras, à censura e ao desmando que se repetem histórica e ciclicamente. Ao mesmo tempo, a força popular do símbolo, que é São Jorge, não se esgota com o martírio, mas serve de exemplo a toda a humanidade. Jorge luta contra o dragão do poder sem limites, e também contra o dragão que fala de dentro dele e quer confiscar a fé que seus pais lhe transmitiram, confirmada pelos milagres que ele testemunhou e realizou pela Graça de um Deus único e verdadeiro. Um filme potencialmente evangelizador, que pode converter os corações pela beleza das atuações, da paisagem, e sobretudo pela emocionante biografia de Jorge da Capadócia.
Saio agradecida aos produtores, ao diretor, aos atores, a toda a equipe técnica, ao cinema no shopping, à distribuidora Moviecom, aos porteiros, aos vendedores de bilhete e de pipoca e ao faxineiro sortudo que assiste de graça a todos os filmes. Ao final, antes do apagar das luzes da sala, ele me perguntou o que achei do filme: Eu amei! Valeu o ingresso, e também as duas horas felizes diante da tela e muito mais que vou levar de alma lavada.