É uma ironia inquietante dos nossos tempos que um deputado brasileiro, para exercer plenamente seu direito constitucional à liberdade de expressão, precise atravessar as fronteiras do país. Embora o Artigo 53 da Constituição Federal estabeleça com clareza que deputados e senadores são “invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”, o contexto político atual impôs limites não escritos a esse princípio — o que tem levado alguns parlamentares a buscar fora do Brasil o ambiente de liberdade necessário ao pleno exercício do mandato.
O caso de Eduardo Bolsonaro é ilustrativo. Em vez de atuar diretamente na Câmara dos Deputados, como eleito, ele tem buscado, a partir dos Estados Unidos, chamar atenção internacional para o que entende ser ameaças à liberdade política no Brasil. Lá, onde o debate público ainda preserva grande amplitude, ele pode se expressar com segurança. Já no Brasil, discursos que desagradam a determinadas instituições ou correntes de poder têm gerado reações que incluem investigações, bloqueios de redes sociais e, em alguns casos, medidas judiciais. A diferença de tratamento é um indicativo de que o espaço para o dissenso político se tornou mais estreito no ambiente doméstico.
Quando Lula da Silva classifica como “terrorismo” o fato de um parlamentar buscar diálogo com atores internacionais, surge um ponto digno de debate. Em democracias reais, interlocuções globais fazem parte da atuação política legítima, especialmente quando se trata de defender direitos e denunciar possíveis excessos institucionais. A crítica de Lula expõe uma divergência de visão: enquanto para alguns o engajamento internacional é instrumento de diplomacia informal, para outros, pode soar como afronta.
O caso da deputada Carla Zambelli amplia essa reflexão. Condenada judicialmente por condutas digitais, ela optou por deixar o país. Sua decisão lembra episódios históricos em que figuras políticas, diante de tensões institucionais, buscaram distanciamento físico para preservar sua atuação e segurança. A caracterização automática dessas decisões como “ameaças à ordem democrática” pode desconsiderar contextos mais complexos e o direito legítimo de defesa — inclusive aquele exercido a partir do exterior.
Outros parlamentares ou figuras públicas também enfrentam consequências semelhantes. Gustavo Gayer, Daniel Silveira e Zé Trovão — cada um com trajetórias distintas — expressaram visões políticas que encontraram resistência institucional. Em alguns casos, foram alvos de medidas judiciais que a lógica da justiça universal não consegue explicar. A interpretação da Constituição, nesse sentido, tem oscilado conforme o contexto e o interlocutor, o que escancara a falta de uniformidade na aplicação das garantias parlamentares.
O ponto não é defender abusos, mas assegurar que a crítica política — especialmente vinda de representantes eleitos — não seja tratada como afronta ao Estado de Direito e seja julgada com imparcialidade. A democracia se fortalece no confronto de ideias, não na sua supressão. Quando a imunidade parlamentar passa a depender da concordância com visões do projeto político de quem governa ou do alinhamento com instituições específicas, abre-se um precedente perigoso.
É hora de uma reflexão séria: quantos mais precisarão fugir para que se perceba o óbvio? A liberdade de expressão — sobretudo a parlamentar — não pode depender da simpatia de quem foi indicado para zelar pela Constituição. Se o Brasil deseja ser respeitado como nação livre, deve começar por reviver sua Carta Magna. Ou, paradoxalmente, aceitar que o verdadeiro solo da liberdade brasileira começa… na fronteira.